+ Retratos & Relatos
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+ Retratos & Relatos

Mais uma vez, para recuperação de acervo e registro de nossas atividades, estamos trazendo trabalhos efetuados há alguns anos. A exposição Mais Retratos e Relatos, organizada e realizada pelo COFIT em 2019 teve o intuito de, em complemento à sua primeira edição (Retratos & Relatos) levar-nos a conhecer mais algumas figuras carismáticas da cidade, seu trabalho e suas histórias de vida. Desta vez, pela maioria dos textos ser mais longa que o usual, estaremos utilizando um formato um pouco diferente no post, com a história ao lado da respectiva imagem…Nota: A exposição + Retratos & Relatos ficou em exibição de 08 a 30 de abril em 2019 na Pinacoteca Municipal de Itanhaém.

(IMAGENS ORGANIZADAS POR ORDEM ALFABÉTICA)

Alcione

Nascida em 11 de abril no ano de 1955, Alcione Catarina Bacheschi, desde criança vinha passar férias em Itanhaém, pois sua família tinha casa na cidade. Morava em São Paulo, onde trabalhou na CET por muitos anos, e fez a diferença por ser uma mulher em um ambiente quase 100 % composto por homens.

Tomou a decisão de vir definitivamente para Itanhaém por questões de saúde, tanto dela quanto de seu filho, e contou com o apoio de sua mãe, que já residia no município. Por encontrar dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, ela tornou-se pescadora.

Novamente se vendo frente a frente com uma profissão do universo masculino, teve que enfrentar diversos obstáculos – inclusive fazer valer suas ordens perante a opinião de seus marinheiros. Teve seu barco afundado e precisou rapidamente dar entrada na compra de outro para seguir com seu sustento. Passou por tempestades, ficando à deriva, com frio e medo, e mesmo assim não desistiu. E, dessa experiência de vida marcante nasceu um livro chamado Mar Sem Poesia. Ao ser indagada sobre o motivo da escolha do título, Alcione revela que as pessoas acham lindo ir para o mar, passear de barco, sentir a brisa fresca da maresia no rosto, todavia, com base em sua própria experiência, ela afirma com certeza que não é bem assim.

Em sua jornada de vida lutou contra um câncer e hoje convive com um tumor em sua cabeça, mas isso não é problema aos seus olhos, pois dessas dificuldades consegue tirar forças para viver com alegria. Atualmente está aposentada e é protetora de animais, possibilitando carinhosamente um pouquinho de esperança e conforto para a vida desses anjos de quatro patas.

Alcione relata que escolheu Itanhaém para viver pela tranquilidade da cidade, e sobretudo pelo fato de existir aqui uma energia muito positiva de cura, segundo ela.

Se um dia a vida lhe deu motivos para achar que o Mar é sem poesia, hoje ela é a prova viva de que, quem escreve nossas poesias somos nós mesmos, e que podemos, sim, fazer de nossa vida um mar com poesia…

Imagem e texto: Luana Castaldelli

Alcir

É momento de descanso. Subiu, correu, perdeu, engoliu sem mastigar. É momento de descanso. Carimbou, atestou, brigou, nem deu tempo de beijar. É momento de descanso.  Dirigiu, adquiriu, mal dormiu, esqueceu  de se olhar. É momento de descanso. Merecida preguiça que se estica no sofá, eis que, nesta época, não há necessidade desse pecado confessar. Sossego justo que, deitado na rede da justiça, cobre de paz o trabalhador que só anseia espreitar o mar.

A bela Itanhaém foi a cidade eleita por Alcir José Cruzolini como melhor cenário para essa etapa de sua história, o momento de descanso. Divertido, sorridente, carismático, despojado de vaidades, e possuidor de uma inteligência admirável. Essas são algumas das características desse homem de 86 anos que transmite uma energia puramente jovial.  Filho de italianos, cresceu com onze irmãos e, desde pequeno, sempre auxiliou no sustento da família. Conheceu Itanhaém ainda criança e guarda carinhosamente as lembranças das muitas férias vividas, tendo como trilha sonora o murmurar ritmado dessas pedras.

O meu pai veio para Itanhaém em 1930 a convite de um amigo italiano, pelo bucolismo, pela história em si… meu pai era ferroviário e o único acesso que tinha para cá era de trem… Nasci em 1943. A primeira vez que vim para Itanhaém eu tinha 6 meses. De lá para cá, costumeiramente, nós passávamos as férias aqui. Nunca moramos na cidade. Meu pai construiu casa aqui em 1950… então a gente teve uma relação mais ou menos atávica com este lugar. Eu sempre tive uma fixação em morar perto do mar… Então quando eu me aposentei, eu vim para morar, em 2011.”

Alcir, que vive no município com sua esposa, relata que as histórias vivenciadas nas férias itanhaenses renderiam vários livros, mas, em particular, dois episódios ficaram registrados com destaque em sua memória: A primeira vez que eu vi um avião. Um avião bimotor desceu na Praia do Sonho, não sei exatamente se era por problemas técnicos ou qualquer coisa do tipo, isso foi uma coisa que eu nunca mais esqueci, o avião passando em um voo rasante na praia, pedindo para as pessoas desocuparem a areia… Tem uma outra história também, o trem que caiu no rio. A ponte caiu com o trem em cima. As únicas fotos que existem desse evento foi meu pai quem tirou.”

Tendo atuado por longa data em uma profissão que exigia em demasia sua atenção, e desempenhado com maestria suas funções, Alcir relata a face ilusória do trabalho excessivo e o tempo roubado pelo desequilíbrio laborativo: Tem um hiato na minha vida, um buraco que, pessoalmente, não serviu para nada. Essa história de correr atrás do prejuízo, trabalhar que nem louco, 25 horas por dia, não me acrescentou nada. A grande sorte que eu tive é que meus filhos são todos nascidos gente de bem.”

Apreciador de um estilo de vida minimalista, esse jovem senhor descreve Itanhaém, sem hesitar, como sinônimo de qualidade de vida. É o que eu sempre almejei, essa simplicidade, andar a vontade. Nunca trabalhei tanto na minha vida como agora, mas não tenho chefe, não tenho horário, durmo de tarde, no meio da manhã tomo um cappuccino, assisto um jogo de futebol… nossa… é um paraíso.”

Enquanto os porta-retratos permitem viagens para tempos saudosos, cada manhã faz lembrar que existe o presente para desembrulhar, existe vida para equilibrar. Escolhas podem nos afastar ou nos aproximar de nossos paraísos, a prece é que haja sabedoria a nos guiar. Alcir é exemplo, inspiração. Na corrida desenfreada de existir no ter, ensina hoje a ser contramão.

“… Daqui em diante, não peço boa-sorte. Boa-sorte sou eu…” – Walt Whitman (poeta norte-americano)

Foto: Sérgio Streapco, texto por Gabriela Pereira

Célio

Em um mundo que parece, muitas vezes, desertificado de bons sentimentos, em meio a tantas notícias amargas e misérias incontáveis, eis que encontramos, aqui e acolá, pequenos oásis de carinho, doces seres possuidores de uma riqueza interior incalculável. Célio Roberto de Souza é exatamente um desses refrescos no Atacama cotidiano. Com seu sorriso gentil e com a pureza de suas ações, ele oferece repouso para todos aqueles que desejam uma pausa calmante e, de brinde, convida à reflexão sobre respeito e inclusão.

Celinho, como é conhecido, é um jovem adulto com Síndrome de Down, de 36 anos. Sua família veio de Minas Gerais e fincou raízes em terras itanhaenses há mais de três décadas, sendo Celinho filho dessa acolhedora cidade.

Eliana de Fátima Souza, irmã que atualmente reside com esse simpático personagem, relata que a infância de Célio não contou com muitos estímulos para seu desenvolvimento neuropsicomotor, já que a falta de informação sobre a condição do irmão ainda era grande naquela época. “Minha mãe e meu pai tinham muito medo que os outros não cuidassem bem dele ou que as crianças o machucassem… era muita proteção, ele não fazia quase nada… em casa só ficava lá sentadinho no sofá, meu pai levava tudo na mão… Enquanto bebê ele sofreu muito com médicos, vivia internado e era todo machucadinho de tanta injeção que tomava… isso colaborou para que minha mãe ficasse com mais preocupação em protegê-lo.”

Conforme a criança meiga ia crescendo, isolada nas grades do medo, as irmãs tentavam convencer a mãe da necessidade de levar Celinho para a escola, liberta-lo para voar na vida.  Aos nove anos o pequeno menino perdeu a mãe e os cuidados foram transferidos para a irmã mais velha, que, ansiando ajudar o caçula, resolveu amparar-se por meio da expansão de seu conhecimento sobre Síndrome de Down e buscar apoio na rede municipal. Na adolescência, Celinho começou a frequentar as atividade do Centro de Orientação aos Deficientes de Itanhaém (CODI). A professora Cris ficou encantada com a desenvoltura de seu mais novo aluno, que havia aprendido a ler e a escrever sozinho, segundo narrativa de Eliana.

“Ele começou a ler sozinho, com as novelas, porque ele ama as novelas e futebol… então comprávamos revistinhas sobre esses assuntos e ele foi aprendendo sozinho… ele lia, escrevia, copiava tudo” – recorda a irmã.

AProfessora Cris, vendo o potencial de Celinho, recomendou que a família procurasse uma escola que pudesse oferecer mais oportunidades ao jovem, e neste momento surgiu na vida desse aplicado aluno a professora Denise Rossmann e sua equipe de educação especial da Escola Municipal Eleonor Mendes de Barros. Nessa sala de aula e com a dedicação dessa excelente educadora, Celinho evoluiu consideravelmente e se enquadrou no perfil para o programa de inserção no mercado de trabalho. A Professora Denise fez a proposta de inclusão para a família e, diante da resposta positiva, assim que a oportunidade na loja de conveniência surgiu, Célio foi indicado para a vaga. Desde que passou no teste admissional, há 12 anos, trabalha esbanjando alegria, como balconista.

Focado e caprichoso, Celinho é um profissional exemplar e agrada, sem esforço todas as pessoas que tem a sorte de ser recepcionado por ele. “Eu gosto de atender os clientes, cada cliente que chega eu falo bom dia, boa tarde ou boa noite. No trabalho estou sempre com meu padrão: boné, crachá, tudo ok… unhas cortadas, cabelo cortado, barba feita.”

Com espontaneidade, ele conta sobre o companheirismo dos colegas, a realização que o trabalho lhe proporciona, a afeição pelos clientes, a estima pela família e o que sente pela cidade onde vive: “Itanhaém pra mim é uma cidade maravilhosa, linda, sou feliz por morar aqui.” Ainda descreve orgulhoso o especial momento vivido em 2008, quando visitou o Projac e, dentre outras estrelas que pôde conhecer, teve a felicidade de estar com sua atriz favorita, Isis Valverde. Esse episódio acorreu graças ao envio de uma carta à Emissora de TV carioca, que contava a história de sua vida e comparava sua ocupação com o papel do ator Antônio Calloni, em uma loja de conveniência na novela do momento, Beleza Pura.

História de superação diária, que em cada olhar bondoso catequisa para o amor. Quadro pintado em tons vivos de diversidade e respeito que agrada qualquer curador. Lição que insiste a nos ensinar que preconceito é insensatez. Quanto antes enxergarmos a beleza das diferenças, mais livres seremos, mais próximos estaremos de um mundo melhor.

Foto Michel Idris, texto por Gabriela Pereira

Cícero

‘Escolha um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia em sua vida.’ Esta frase, supostamente dita por Confúcio, pode apresentar com clareza Cícero Graciliano da Silva, um cabelereiro realizado que não esconde o amor por seu ofício.

Nascido em 20 de abril de 1944, no estado de Alagoas, Cícero chegou em terras paulistas aos 26 anos. Ainda que na bagagem carregasse dois anos de experiência como barbeiro, não conseguiu emprego na capital. Recebeu então a indicação de um amigo para conhecer Itanhaém. Chegando aqui, trabalhou por quatro meses em um sítio e logo se mudou para a zona urbana, sendo auxiliado por conhecidos que muito recomendaram o município como lugar ideal para viver.

Aqui em Itanhaém minha vida mudou do nada para tudo que sou hoje. Tenho minha família, filhos formados… e isso foi através da minha profissão…  tudo que tenho hoje saiu do cabo da minha tesoura.”

O desejo de ser cabelereiro nasceu cedo, observando um primo a trabalhar de forma muito caprichosa com as tesouras e navalhas. Na profissão de cabeleireiro eu me agrado em tudo, tudo que você pensar na profissão de cabelereiro me faz sentir uma felicidade muito grande, com desejo de continuar, porque foi a melhor profissão que eu encontrei em toda minha vida.

Esse senhor bom de prosa é agradecido aos amigos que passaram e passam por sua história, dizendo não saber mensurar o valor desses companheiros que tanto abrilhantaram seu trajeto. Agradece a Deus pela benção de sua profissão, que o permite continuar trabalhando, mesmo aos 75 anos, o que não aconteceria se tivesse qualquer outro labor fisicamente extenuante. Como bom incentivador, sempre que pode, orienta os jovens iniciantes no ofício da barbearia, pois acredita que realizando as atividades com zelo e dedicação, certamente todos podem ser bem sucedidos e alcançar os benefícios desse digno ganha-pão.

Quando questionado a respeito da significância de Itanhaém em sua vida, responde: Pra mim Itanhaém significa aquela cidade que eu amo de coração… pelos meus filhos terem nascido aqui, serem criados aqui e por todos desse lugar terem me recebido como me receberam desde o primeiro dia que eu entrei na cidade em 1970, no dia 14 de setembro. Para mim, nada melhor do que a cidade de Itanhaém!

O salão de Cícero pulsa contentamento imitando seu próprio coração. Quem se achega de alma aberta sente um carinho no ar nada comum. Pode ver passear serena a vida de quem trabalha todos os dias, sem trabalhar dia nenhum.

Foto: Luiz Carlos, texto por Gabriela Pereira.

Dirce

A história da paulistana Dirce Streapco com Itanhaém data do início dos anos 80. “Meus parentes já tinham casa aqui… compramos uma casinha no Belas Artes… todo ano, nos feriados, nós descíamos com a criançada.”

Não há como levar 10 minutos de prosa com Dirce sem admirar-se de sua inteligência, seu bom humor e sua coragem para lidar com as ousadias da vida. Casada com Sérgio Streapco (Juca) há 44 anos, mãe de 3 filhos e avó de 4 lindas crianças, esse exemplo da força feminina ensina em cada passada a importância da resiliência para bem trilhar a estrada terrena.

A vinda da família para Itanhaém deu-se no início do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, que, com a abertura de mercado, afetou economicamente muitas pessoas em meados da década de 90. Quebramos em São Paulo. A área que meu marido trabalhava e outras tantas viraram pó… A gente nunca podia imaginar que a crise seria tão grande, que a indústria têxtil fosse sumir, que os chineses fossem tomar conta de tudo”…

Na época, Dirce veio com o marido e o filho mais velho, Serginho, para o que pensavam ser uma estada provisória em Itanhaém. Serginho necessitava de cuidados constantes dos pais devido a uma paralisia cerebral que o acometeu aos 2 anos de idade, deixando-o totalmente dependente. João Paulo e Chico, os outros dois meninos adolescentes do casal, permaneceram na capital sob a tutela da avó materna, pois estavam comprometidos com os estudos e já empregados. Juca ainda voltava para trabalhar em São Paulo e eu ficava aqui com o Serginho… A gente veio para ficar uns três meses, para botar as finanças em dia, achando que a crise fosse passar… mas a crise só fez acentuar e nunca mais saímos daqui.”

Em meio a esse turbilhão de sentimentos e acontecimentos, Dirce ouviu notas de alegria bater em sua porta certa noite, acordes melodiosos e pautados no amor, que reverberaram acolhimento e aos poucos fizeram da família Streapco mais uma partitura a compor a especial peça musical que é Itanhaém. Eu e Juca tivemos sorte porque quando chegamos aqui, já conhecíamos o seu Lino, um vizinho que tinha um grupo de chorinho. Não fazia nem um mês que estávamos aqui e ele bateu uma noite lá em casa e falou: ‘Sergio e Dirce, vamos lá em casa porque hoje nós vamos fazer um sonzinho… vão lá ouvir uma musiquinha e comer um camarãozinho’. Eles receberam a gente tão bem! Eu sempre brinco que tenho duas famílias: a minha família de São Paulo e a família de Itanhaém, que é a família do seu Lino e da Dona Anézia.

A vida foi acontecendo em solo caiçara e Dirce adaptou-se a todas as mudanças que o destino lhe impôs. Dedicada e curiosa, mesmo não podendo trabalhar por conta da atenção integral dispensada ao filho, ela não deixava de procurar cursos e atividades para manter a mente saudável. Finalizou espanhol e concluiu pelo Senai o curso de computação em 2000. E eu ainda pensava: ‘no que uma dona de casa vai usar computação?’, Era tão distante… aqui em Itanhaém ninguém tinha computador. Eis que 8 anos depois, quando eu prestei concurso, para o meu cargo precisava de computação… pensei … Ai Jesus, graças a Deus (risos).”

Dirce assumiu cargo público na Prefeitura de Itanhaém no ano de 2010 e seu esposo, já aposentado, responsabilizou-se pelos cuidados com Serginho, que faleceu em 2016, deixando grande saudade em toda a família. E mesmo com uma perda tão significativa como a de um filho, essa guerreira não abandonou suas batalhas cotidianas; ainda hoje desempenha seu o trabalho com todo profissionalismo e mantem o carisma característico de quem aprendeu as lições que a vida quis ensinar, sem desaminar.

Enfrentando violentos maremotos foi que essa heroína anônima aprendeu a sereiar e hoje atravessa sorrindo as tempestades porque entendeu que logo ali está um arco-íris para contemplar.  Com sua trajetória bonita continua fazendo Elis cantar: ‘nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar.’

Foto: Maria Antonieta (Nieta), texto por Gabriela Pereira

Fernando

Dr. Fernando Figueira, mestre na arte de apertar na justa medida parafusos soltos, a quase uma década atua como psicólogo social de nosso Centro Municipal de Reabilitação. À nossa cidade, ele oferece além do acolhimento psicológico, toda uma vasta gama de saberes acumulados através de sua pesquisa na psicologia e além dela. Natural de Santos, reverbera práticas sociais, saúde mental, bioética, humanização, políticas públicas, a apropriação do espaço, da história e da saúde das populações e indivíduos. Direitos humanos.

Pesquisador, orientador, cinéfilo, escritor, colecionador de quadrinhos, historiador, músico, professor, vegetariano… Um observador contumaz de seu tempo e da história, que transita entre as várias linguagens sociais e artísticas, em busca da verdadeira reabilitação de pessoas. Trabalha em movimento constante no resgate social de valores comuns, integridade e ética.

Promove o acolhimento nos mais delicados períodos da vida humana. O acompanhamento que realiza, recupera e transforma a vida de seus pacientes. Saber utilizar o poder transformador do silêncio, ou a sua habilidade em fazer as perguntas corretas, no momento mais propício, transforma o desespero do momento pessoal do indivíduo em inclusão. Cria pontes internas e externas, no indivíduo para com ele mesmo e seu entorno.

No atendimento de seus pacientes e grupos de pessoas com dificuldades motoras, cognitivas, emocionais, desenvolve atividades multidisciplinares que vão muito além de seu bom ouvido. Ferramentas como música, canto, caminhada, escrita, fotografia, são utilizadas nas oficinas de reintegração e ressocialização de grupos que em outras circunstâncias dificilmente se encontrariam.

Sempre envolvido com a articulação social, participa ativamente da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO – fez parte da Coordenação da Regional São Paulo e é o atual coordenador do Núcleo Baixada Santista e Colaborador do Conselho Regional de Psicologia – Subsede Baixada Santista e Vale do Ribeira.  Também ministrou aulas de Psicologia Aplicada à Administração, Psicologia do Desenvolvimento e disciplinas na pós-graduação com temáticas relacionadas à História da Psicologia e à constituição da noção de doença mental no século XX.

Em Itanhaém, encontrou a serenidade necessária para a produção de seus artigos acadêmicos.

Imagem e texto: Priscila Martin (Pri Perolitas) 

Lina

Começa aqui uma breve biografia da fantástica figura humana de nome Lina de Lima.  Santista de nascimento, filha de Henrique e Benedita, ela “estreou” em 08 de Agosto de 1940. Em sua infância, apesar de viver em Santos e São Vicente, sempre manteve uma ligação profunda e afetiva com a cidade das pedras que cantam, Itanhaém, onde passava férias e, por algum tempo, também morou e estudou.

Lina se recorda desse tempo com um brilho especial no olhar, lembra-se das professoras, das escolas e da boa e velha maria-fumaça, que sempre foi motivo de encanto e corridas vertiginosas com seu irmão, para vê-la passar. Tão marcante foi essa época que daí surgiu a inspiração para a sua primeira poesia, escrita ainda em seu caderno de recordações, “Pé de Maracujá”.

A precoce poetisa agradece até hoje o dom de escrever que recebeu de Deus e também os estimulo que teve para a leitura. Segundo ela, era uma leitora voraz, hábito que a auxiliava na escrita poética, assim como também a incentivava as tantas estórias contadas na sala de jantar da família e as idas ao cinema.

Essa mulher de alma aberta contraiu matrimônio em 1960, e desse relacionamento teve dois filhos. Ficou viúva em 1974 e logo retornou para a poesia, talento esse que havia ficado em segundo plano na sua vida agitada de mulher multifacetada. Nessa fase, a primeira poesia que colocou no papel teve seu elã nas folhas das palmeiras da praça que eram agitadas pelo vento litorâneo, e assim nasceu “O Tempo e o Vento”.

Desde então as poesias fazem parte do dia a dia de Lina. Em 1992 entrou para o Grupo de Apoio às Letras, Poesias e Artes Ocorrentes, onde escreveu “Mensagens na Areia, Trovas e Pensamentos” e, no mesmo ano, participou da Primeira Antologia Poética pela Scortecci Editora. Em 1993 republicou outras poesias, e dois anos mais tarde conquistou o primeiro lugar em mais um concurso de poesia com sua criação “Prece”.

Fundamentado nesse currículo declamado em versos, Lina é convidada a compor a Academia de Letras e Artes de Itanhaém, que infelizmente não floresceu, entretanto, em  19 de julho de 1997, é fundada a Academia Itanhaense de Letras e essa sensível escritora toma posse em 14 de agosto do mesmo ano, como uma das fundadoras desta tão importante entidade do nosso Município.

Dona Lina, como é conhecida por muitos, tem uma vida bastante ativa em todas as formas de arte, sendo pessoa de grande relevância em todos os eventos culturais da cidade, porém, cabe ressaltar que sua maior forma de expressão é o modo carinhoso e vibrante como vê a vida.

Imagem e texto: Eder Andrade

Maria da Conceição

As mãos, habilidosas e seguras, pegam o recipiente e o enchem com a massa socada, peneirada e acrescida de polvilho e de erva doce. Com a mesma destreza, acrescentam o açúcar, na medida certa, pois a massa pode desandar caso fique muito doce.  Em seguida, as mesmas mãos colocam um pano ralo dentro da parte superior do cuscuzeiro e, em seguida, despejam o conteúdo sobre o tecido. Cuscuzeiro cheio, as pontas do pano são dobradas sobre a massa e é colocada a tampa. Agora, é aguardar que a massa seja cozida pelo vapor. Feito isso, com a ponta dos dedos, verifica-se se já está pronto o cuscuz. Em um ato final, as mãos seguram as pontas do pano,  retiram o cuscuz do cuscuzeiro e, com experiência, giram-no sobre a mesa, soltando o tecido.  Está pronto o cuscuz!

Incontáveis vezes, nossa protagonista, MARIA CONCEIÇÃO MARTINS, executou os procedimentos acima descritos. Fez parte da equipe da cozinha da FESTA DO DIVINO, por mais de quarenta anos! Atravessou madrugadas preparando o tradicional CUSCUZ  DE  ARROZ, costumeiramente saboreado ao final das alvoradas festivas. O desgaste e o cansaço estavam sempre presentes, principalmente com o passar dos anos, mas ao término de cada empreitada, a satisfação de ter o trabalho cumprido, compensava qualquer esforço.

MARIA DO PISCA, conforme é conhecida, nasceu na cidade de Iguape, em 16 de setembro de 1941, no Porto da Ribeira. Aos treze anos, veio para Itanhaém, pelas mãos de dona Zulmirinha Fortes Gatto, também Iguapense, para trabalhar na casa de dona Nely Gatto. Prestou serviços domésticos em outras residências, até se casar com JOSÉ MEIRA DOS SANTOS, mais conhecido como PISCA, de tradicional família Itanhaense. Ficou viúva aos 35 anos, com  quatro filhos: Celso Luiz, Solange Aparecida, Sandra Lúcia e José Meira Júnior.

Foi funcionária pública municipal, como Merendeira da rede escolar, por mais de trinta anos. De seu trabalho, tirou o seu sustento e o de seus filhos. Atualmente, tem uma família bem numerosa: 4 filhos, 8 netos e 10 bisnetos!

Lembra sempre de sua Iguape. Segundo ela, no sítio onde moravam, não passavam necessidade, pois plantavam de tudo. O pai só comprava sal e querosene. Mas o trabalho era árduo. Daí sua decisão de vir para cá, ainda pequena.

Ao ser perguntada sobre o que Itanhaém representa para ela, foi rápida e clara em sua resposta:

”Representa tudo, pois aqui tive o meu trabalho e tenho meus filhos, meus netos e meus bisnetos”.

Texto e imagem: Maria Tereza leal diz (Tetê)

Maria de Lourdes

Um sorriso de encanto e abraços! Assim é possível definir o sentimento de quem tem seus cinco minutos de prosa com dona Lourdes, ou Vó Lourdes.

Maria de nascença como tantas outras Marias, dona Maria de Lourdes é o retrato fiel da verdadeira mulher brasileira, cheia de luta e garra e, como uma grande mãezona, faz suas escolhas a partir das prioridades e necessidades da família.

Baiana de berço, muito cedo chegou à grande metrópole paulistana, onde estudou, cresceu, casou-se e constituiu uma vida de desafios e sucessos.

Vó Lourdes te acolhe com o olhar, é boa de conversa com cafezinho e pelas suas mãos de costureira realiza sonhos, vestindo noivas, fio a fio, sorriso a sorriso, prosa a prosa.

Com um leve olhar de orgulho, perguntada sobre sua profissão, afirma: “As noivas vêm até mim e eu abraço elas e ficamos assim, todas juntas, as noivas e eu!”.

Morou em São Paulo, viveu nas Minas Gerais, passou por Araçatuba e, por orientação médica, escolheu Itanhaém como refúgio de amor e tranquilidade.

O povo da cidade me faz ficar em Itanhaém, o amor do povo da cidade me segura aqui!“, afirma sorrindo, enquanto trança mais um fio no alvo vestido de uma nova sonhadora.

Como Maria, sente-se acolhida pela cidade e sua gente e, com olhar carinhoso e voz embargada, diz: “Quando cheguei aqui, comecei a amar a cidade, a cidade me abraçou, eu abracei a cidade junto.”

Esta é a Vó Lourdes, que gosta de barulho, de bagunça e de dança, é cheia de sonhos e realizadora de desejos. Sua trajetória é um exemplo de perseverança e busca incessante pela paz que todos almejam.

Quer ter uma tarde agradável? Quer adotar uma nova avó para os seus dias? Quer receber um sorriso como um afago carinhoso? Conheça a mulher por trás das agulhas e fios, a costureira que trança desejos e realiza sonhos. Conheça para sempre, dona Lourdes.

Fotografia e texto: Marcos Rogério Meneghessi

Maria Kerexu

Caminhando por entre suas plantações na Aldeia Rio Branco, rosto sereno, Dona Maria Kerexu, mulher de poucas palavras, demonstra no brilho do olhar seu orgulho pelos resultados de seu trabalho na lavoura. A economia de palavras se explica pela dificuldade com nossa língua e por um fator cultural: para o guarani, as palavras são muito valiosas e eles aprendem desde cedo a não desperdiçá-las.

Essa paranaense de Pinhal veio parar em Itanhaém aos 20 anos, atrás de seu irmão que já morava por estas bandas. Aqui construiu sua família e criou seis filhos, todos morando hoje na Aldeia Rio Branco, próximos a ela.

Conta que tentou morar em outra aldeia, na Capital, mas nem ela, nem os filhos se acostumaram.

– Uma vez já foi lá para o Jaraguá, se mudar pra morar lá, daí as crianças não quis ficar lá, daí vieram tudo (para Itanhaém, de volta). É muito barulho lá.

Uma vez por semana essa guarani pacata e tranquila se vê obrigada a sair da aldeia em direção à cidade, para vender parte de sua produção agrícola, o que a deixa contrariada.

– Eu gosto mais daqui, da aldeia… ficar aqui com as crianças… O juruá (homem branco) faz barulho demais, muita bagunça.

Na aldeia, essa guerreira transita com desenvoltura pela terra fértil, cuidando de plantações de batata doce, mandioca, milho, amendoim – entre outras culturas genuinamente guaranis – demonstrando grande sabedoria e conhecimento de técnicas agrícolas milenares.

Sempre reservada, demonstra – ao estilo guarani, com pequenos gestos e sem ser efusiva – seu carinho pelas pessoas que considera merecedoras de sua atenção.

Nesse particular, um causo marcou este juruá que vos escreve:

Dona Maria, sempre que me via chegar à aldeia, corria esquentar a água no fogo de chão para preparar um café, que ela sabia que eu adorava. Certa vez, em uma dessas visitas à aldeia, eu lutava contra a vontade de fumar, hábito que eu havia abandonado há apenas um mês. Como providência para afastar o desejo de fumar, deixei também, no mesmo período, de tomar café, já que nicotina e cafeína eram inseparáveis.

Cheguei à aldeia e percorri uma longa trilha e atravessei o Rio Branco com água acima dos joelhos, até chegar a uma área onde eu realizaria um trabalho. Em seguida chega dona Maria, depois de fazer o mesmo longo e pedregoso caminho, com uma garrafa térmica debaixo do braço e um copo na mão.

– Dino, eu trouxe o seu café.

Impossível, naquele momento, desmerecer e recusar o café preparado com tanto carinho. Depois de tomar o delicioso cafezinho, contei a ela que não mais fumava e que aquele era o primeiro café que eu tomava em um mês. Ela apenas sorriu e disse que ficava feliz por saber que eu não mais fumava. E continua a fazer o “meu” café, sempre que chego à aldeia.

É um privilégio morar em uma cidade com tanta diversidade cultural e um grande alento saber que, se depender de pessoas como Dona Maria Kerexu, a cultura indígena guarani não morrerá. A língua, os cânticos, as cerimônias religiosas e o alimento guarani são sagrados para ela, que não mede esforços para mantê-los vivos e presentes na educação de seus filhos.

Foto e texto: Dino Filho

Odinei

Rebateu o Luan, já põe a bola no campo de ataque. Deyverson, Deyverson ganha, Deyverson domina, Deyverson puxa, pé direito do DEEEYVERSOON… GOOOOOOLLLLL duuuuuuuu Palmeiraaaas… Um gol de quem não desiste nunca! E mais uma vez o Deyverson oferece o gol pro menino, deficiente visual, pro menino Nicholas. Comemora Deyverson. Aponta pro banco. Ele e Bressan, Bressan e ele. Deyverson disputou, ganhou, puxou, pra deentrooo! Por todos os ângulos pra você curtiiirrr!” – Brasileirão 2018, Palmeiras 2 x 0 Grêmio, Canal Premiere.

Assim como a narração acima, esta história é de um menino sonhador que, por nunca desistir, vem marcando uma goleada no jogo da vida. Odinei Ribeiro, caiçara orgulhoso, sexto dos sete filhos de seu Oscar (in memorian) e dona Maria, além de jornalista e narrador esportivo respeitado, é um ser humano que carrega um coração generoso e grato, digno de admiração e imitação.

Nascido no bairro do Ivoty, onde viveu até os 31 anos, Odinei, apesar de não se considerar um craque com a bola nos pés, dedicou grande parte da sua infância jogando futebol, defendendo vários times na cidade. Também as narrativas esportivas começaram cedo, no agitado estádio dentro de seu quarto, palco de campeonatos onde o garoto itanhaense era narrador, torcedor, repórter, jogador e comentarista, ajoelhado ao lado do campo de futebol de botão que ganhou de seu pai. A rádio AM sempre foi companheira de seu Oscar, que influenciou o filho e o tornou grande apreciador de locutores esportivos como Fiori Giglioti, Osmar Santos, José Silvério e outros.

Esteve longe de seu talento nato por alguns anos, todavia, findando os anos 80 o jovem se redescobriu nas narrativas. Eis que sua primeira narração de um jogo de futebol de verdade aconteceu no ano 1990. Era outubro e Odinei estava participando de um campeonato amador, mas ficou impossibilitado de jogar a final, por estar adoecido. Decidiu ir ao campo, pois era justo, visto que seria o seu Ivoty a jogar. Na ocasião, levou um gravador emprestado para narrar a decisão contra o Gaivota. Ao final do jogo, a fita foi mostrada ao repórter da Rádio Anchieta de Itanhaém que pediu a entrega da gravação na rádio, para que o chefe de equipe, Edson Sobral, a analisasse. Em janeiro de 1991, Odinei começava oficialmente sua carreira, narrando pela rádio Anchieta, no campo de seu bairro, o jogo pelo Campeonato da cidade entre Ivoty e Unidos do Savoy.

Esses foram os primeiros passos de uma caminhada árdua. Na mochila Odinei carregava muitos sonhos, uma imensa força de vontade, sua alegria característica e um amor genuíno pela sua terrinha. Superou diversos obstáculos sem desanimar e amparado pela fé ele estudou, cresceu, brilhou.  Em uma época em que o rádio era um dos mais importantes veículos de comunicação, esse batalhador passou por todas as emissoras de Santos (Atlântica, Guarujá, Rádio Clube, Tribuna/CBN, Cacique/Jovem Pan, Cultura e Santa Cecília FM). Em 1999, foi trabalhar com Fiori Giglioti na Record e se empenhava na TV Santa Cecília. Em 2004 foi contratado pela TV Tribuna, afiliada da Rede Globo na Baixada Santista e Vale do Ribeira e, devido seu enorme talento, foi chamado para compor o seleto grupo de narradores do Sportv em 2008.

Na sua cidade do peito, no final da década de 90, Odinei teve a oportunidade de atuar em uma emissora comunitária onde criou o Satélite Esportivo na Sat FM, dentro do Satélite Esporte Clube, colônia de férias do Banco do Brasil. Porém, desejoso por fazer a diferença local e com o apoio dos diretores do clube, criou um programa para discutir os problemas do município, o Satélite Comunidade. O programa polêmico, em curto espaço de tempo, ganhou uma repercussão enorme, entretanto, por pressões políticas, a rádio foi fechada e nunca foi possível retomar o importante projeto que dava microfone a quem gritava sem ser ouvido.

Odinei, que hoje tem em seu currículo inúmeros feitos na narração brasileira, incluindo uma Olimpíada (2012), duas Copas do Mundo (2014 e 2018) e sua vida documentada no filme Odinei Ribeiro: o narrador de emoções (Santos Film Fest 2018), jamais deixou sua linda Itanhaém esquecida, muito pelo contrário, por se dizer apaixonado pelo cantar dessas pedras, faz questão de se envolver em causas de preservação e desenvolvimento do município, encabeçando ainda o projeto social Parceiros do Bem:

“…a ideia do Projeto Parceiros do Bem é  dar palestras nas escolas públicas da cidade para contar a minha história, para mostrar que é possível o filho de um pai e uma mãe simples vencer na vida de forma honesta… E faço um jogo no final do ano, lá no Ivoty, e através desse jogo arrecado brinquedos, juntamente com amigos da cidade… pessoas famosas do microfone e da bola já vieram participar do jogo aqui… toda a arrecadação é para comprar brinquedos… distribuídos principalmente nas comunidades carentes, pelo Papai Noel…” 

E segue a vida, “#cadadianumcanto”, o menino sonhador que se tornou narrador admirado, exemplar profissional, mas que nunca abandonou sua morada itanhaense. Tem amor e cuidado pelo seu campinho de moleque, pelo seu querido quintal.

Fotografia: Chico Leme, texto por Gabriela Pereira

Patrícia

De acordo com Paulo Freire, um dos principais educadores brasileiros, Empoderamento é a “capacidade do indivíduo realizar, por si mesmo, as mudanças necessárias para evoluir e se fortalecer”. Uma maravilha emancipatória que dá poder de escolha plena para aqueles, que como Patrícia Ricomini, decidem por este caminho percorrer.

Mulher ativa e inteligente, Patrícia, através da consciência do que a faz feliz, dá passos largos na estrada da criatividade e da produtividade, deixando carinhosamente sua contribuição cheia de sabor por onde passa. Essa jovem agricultora de 40 anos, nasceu e cresceu na cidade de Itanhaém, e aqui vive com seu marido e filha. Relata que conheceu a agricultura há 8 anos, através de sua mãe: “Minha mãe nasceu no interior de São Paulo e trouxe esse mundo verde para minha vida. Naquela época, o pessoal tinha que sair do campo para trabalhar em cidade grande, mas o campo nunca sai deles, né? Então… eu me apaixonei. Começamos a trabalhar juntas, fazer bolos e tortas para vender… até mesmo para conter o desperdício das bananas.”

Atualmente, com uma grande variedade de produtos, Patrícia integra o grupo dos agricultores familiares que comercializam na Feira do Produtor de Itanhaém, uma grande parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a Associação dos Produtores Rurais da Microbacia Hidrográfica do Rio Branco (Amibra) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Governo Federal.

Oriunda de uma família de mulheres habituadas ao trabalho com a terra, nossa protagonista atualmente trabalha acompanhada de sua avó… Tenho serviço para a semana inteira… me descobri através disso aqui. Hoje trabalhamos eu e minha avó, pois minha mãe retornou para o interior e dá continuidade na agricultura por lá… minha filha, Maria Eduarda de 14 anos, também me ajuda… às vezes fica comigo aqui na feirinha.

O carro-chefe do sítio famíliar é a banana, e foi através dessa fruta que Patrícia ingressou no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), fornecendo farinha de banana e banana in natura para a merenda das escolas itanhaenses. Ela também atua como no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), onde entrega ao Banco de Alimentos da cidade a banana in natura e o bolinho de banana, componentes das cestas doadas às entidades socioassistenciais que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Em abril de 2018, essa incansável trabalhadora teve todo seu suor valorado quando contemplada com o Selo de Identificação da Participação da Agricultura Familiar – Sipaf. O selo do sipaf verdinho mostra para as pessoas que o produto vem da agricultura familiar, e o selinho rosa, é o da mulher rural. Nós fomos as 15 primeiras do Brasil a receber esse selo. Ele reconhece o nosso trabalho deste o campo até a chegada do produto para o consumidor.”

O Sipaf agrega valor e atesta a origem dos produtos oferecidos. Quem compra mercadorias com esses selos enaltece a produção regional e a cultura local, bem como, promove a sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental.  Já o Sipaf Mulheres Rurais confirma o desempenho feminino em todo processo da atividade produtiva, tira a mulher do papel secundário na luta pela soberania alimentar e pelo  desenvolvimento sustentável, e a reafirma como sujeito político e agente importante para a economia. Patrícia e os demais produtores bem entendem a grandeza dessa conquista.

Muitos outros fatos marcaram a vida dessa dama forte dos olhos verdes, mas ela destaca um episódio de forma especial: Eu morei quatro anos fora de Itanhaém, em Indaiatuba, interior de São Paulo, e acho que pra mim o marcante foi voltar para cá. E quando voltei eu descobri que estava grávida. Hoje, Itanhaém significa tudo! É a minha casa, é aonde eu escolhi ter e criar a minha filha, é a cidade que me trouxe tudo de bom e de melhor, me fez crescer, me encontrar. E hoje posso mostrar o meu trabalho para todos os habitantes daqui e os que vêm de fora também, porque a cidade é linda, tanto lado praia como lado campo. Itanhaém é um orgulho, sou feliz em viver aqui.

Um outro significado para empoderamento, segundo o dicionário americano Oxford, é dar poder, tornar possível. Eis o que Patrícia vem fazendo em sua caminhada diária: empoderando-se! Trabalhando em prol de seus desejos e na multiplicação de suas forças. Nesse processo construtivo de si mesma por meio do realizar prazeroso, também auxilia outros, que pelo seu exemplo, sentem-se inspirados a seguir suas pegadas nesse breve existir valioso. Talvez não seja simples o desafio iniciar, mas essa história nos mostra que vale a pena tentar.

Fotografia e texto por Gabriela Pereira

Professor JB

Vem abecedário depois dicionário. Da gramática à matemática, na multiplicação e também na convecção. É metáfora, molécula, mitocôndria, Machado de Assis. Tem propulsão, planície, ph, pi e  verbo to be . Sem contar Platão, polônio, pleonasmo, parábola, Paquistão. O que seria de nós, professor, sem a sua dedicação?

Assim lecionou José Benedito dos Santos, com devoção, carinho e paciência. Mais conhecido na cidade como Professor JB, esse educador aposentado dedicou toda sua vida no partilhar de saberes, entregou-se com fidelidade à vocação despertada desde a tenra idade.

Seus pais, vindos do nordeste brasileiro, chegaram por estas bandas em 1939. Aqui se conheceram e se casaram. Porém, o Professor JB nasceu em Sergipe, pois sua mãe procurou o amparo da família no final da gestação, em 1943, e permaneceu em sua terra natal até o fim de seu resguardo, quando só então retornou para Itanhaém e registrou, com seu marido, o menino João Benedito, que hoje se considera um itanhaense nato.

Meus pais moravam no Belas Artes. Era só sítios, não tinha a rodovia. No ano de 52, mais ou menos, eles começaram a abrir, fazer umas bancas de areia, que era onde ia passar a estrada e o asfalto. Nessa ocasião meu pai ficou preocupado, disse que não queria nenhuma briga com o Estado, resolveu vender a terra e foi embora. Foi nesse ano que a gente saiu, fomos morar no interior de São Paulo, Mirante do Paranapanema. Já tinha feito o primeiro ano na escolinha mista municipal, atual Pollastrini… ali tinha um chalezinho de madeira… e minha primeira professora foi Maria Hortência Pedron. Nós voltamos em 58 e não saímos mais daqui. Quando nós voltamos, meu pai já não tinha residência, terreno, algo nosso. Fomos morar no Flórida Mirim, tinha umas terras devolutas lá perto do morro. De lá eu vinha para fazer meu quarto ano aqui (Escola Benedito Calixto). Vinha de trem. Era um dia inteiro só pra estudar… Minhas primeiras aulas dadas foram aqui também. E por aqui eu fiz a minha história, porque eu cheguei ao ponto de lecionar como leigo. Diziam que eu era estudioso (risos), então a diretora Eugênia Pitta, percebendo a dificuldade do sistema, me colocou para substituir aulas… eu estava no sexto ano do ginásio. Isso me ajudou bastante, ajudou na compra de livros, isso e aquilo, porque antigamente não tinha nada dado, nem a merenda era dada. Eu vinha lá da Flórida Mirim, minha mãe fazia marmitinha, colocava arroizinho, quebrava o ovo, colocava fritinho em cima, naquela latinha de manteiga, e  quando chegava aqui eu morria de vergonha de abrir na frente dos colegas (risos).”

JB enfrentou com paciência e vontade todas as dificuldades para completar os estudos regulares, a magistratura e a graduação em Geografia/História, dentre vários complementos curriculares. Ensinou por muitos anos no nível primário, passou por diversas escolas no município e assumiu ainda cargos de direção, além de concluir o curso de Direito, sem atuação na área jurídica, devido a seu total foco na Educação. Constituiu família e se orgulha de ter todos os filhos por perto. Mora na mesma casa há 50 anos e diz que de lá só sai para o Jardim Coronel, porque aqui no Centro já tá muito caro (risos)”.

Perguntado se, atualmente, gostaria de voltar para sala de aula, responde: Eu acho que nunca saí da sala de aula, porque em todo lugar, em toda reunião, todo ex-aluno que a gente encontra, sempre estamos ensinando e aprendendo. Eu nunca parei de aprender. O bom professor é aquele que aprende… se a gente quiser ser um bom professor a primeira coisa é saber ouvir os alunos, é aprender com eles.”

Com simpatia e serenidade, Professor JB continua a espalhar conhecimento, jamais deixará de estar envolto na digna nuvem do pó de giz. Semeador do saber, apresentador de mundo novo, motivador de sonhos. Talvez não haja descrição que abarque a completude do ser educador e tampouco palavras para agradecer a quem desempenha o trabalho mais importante da sociedade. Timidamente, fica aqui grafado em maiúsculas um IMENSO AMOR para este e para tantos outros mestres que ajudam a oferecer um universo de incríveis possibilidades para todos nós.

Foto: Marisa Santesso – texto por Gabriela Pereira

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