Presente Cinza, Passado em Cores
Presente Cinza, Passado em Cores

Presente Cinza, Passado em Cores

Este texto é o começo de uma história que envolve fotografia, mistério e aventura, exclusiva para o COFIT! Nesse formato, conhecido como folhetim, será apresentado um conto dividido em diversos capítulos, que serão publicados semanalmente.  Boa leitura!

Capítulo I

Mayara perdera os pais muito cedo, um após o outro. Deprimida, viveu toda uma adolescência sem cores, em escala de cinza. Os amigos mais chegados (que eram poucos), diziam a ela:

– Você precisa olhar em volta, ver a beleza que existe na vida.

Ela demorava um pouco para responder, olhando o amigo nos olhos. Depois, mandava todos irem tomar naquele lugar. Que beleza poderia haver numa existência tão mórbida, que a cada ano ia tirando, tirando e tirando mais e mais do seu entorno, numa correnteza de força inabalável que leva todos ao mesmo destino?

E assim ela foi levando.

Quando completou vinte anos, não houve festa nenhuma. Não havia o que ser celebrado; ora, um ano a mais era também um ano a menos, não é mesmo?

Acontece que naquele dia oito de janeiro chegou em sua casa uma caixinha, uma encomenda que ela não havia feito. Não carregava nenhum remetente, mas o destinatário estava lá, em letras garrafais, e não deixava dúvidas. Aquilo talvez fosse um presente de alguém que tinha receio de se expor. Um admirador ou admiradora mergulhado na timidez?

Mayara abriu a caixa mais que depressa, rasgando-a com vigor. Dentro, ela encontrou isto:

Um brinquedo. Quem teria sido o palhaço que pensou que um brinquedo seria um bom presente?

Notou que havia um botãozinho de liga-e-desliga na maquininha, então o pressionou. Para sua surpresa, a tela na parte de trás da máquina acendeu em cores. De fato, não era uma imagem que pudesse impressionar, e muito menos de alta resolução como exibido em texto ao redor da lente. Ainda assim, era um gadget no mínimo curioso.

Mirou ao redor de seu quarto escuro, e tentou clicar algumas fotos. Logo surgiu na telinha a mensagem: NO SD CARD. Ah, mas é claro – era preciso algum cartão de memória que guardasse as preciosas obras de arte em estilo fotográfico do começo dos anos 2000. 

Mayara procurou os restos da caixinha e viu que lá dentro estava um saquinho selado, com um cartão de 16 GB. Fuçou nos lados da minicâmera, até se deparar com a entrada para o tal cartão.

Clac! – fez o aparato, e não demorou para que a tela da câmera exibisse uma imagem. Aparentemente, o cartão não estava vazio.

Esta foi a imagem que Mayara viu:

Esse livro… Eu acho que eu tenho esse livro.

Vasculhou as memórias para reconhecer que sim, tinha mesmo o livro; ele estava sobre uma pilha de caixas de papelão já há algum tempo, pois recebera-o de volta de uma tia a quem o havia emprestado.

De repente, um arrepio. A foto mostrava o livro sobre o que parecia ser papelão.

Confusa, Mayara caminhou até o quarto com certa apreensão, e descobriu lá o livro. Era inquestionável: a fotografia era a do próprio livro, pois ele tinha até a mesma pontinha de papel saindo de dentro de suas páginas.

O coração da jovem acelerou o passo. Isso não faz sentido…

Teria alguém entrado em sua casa e feito aquele registro? Não podia existir qualquer outra explicação, se não a da invasão por algum intruso, algum stalker.

Ainda que sua mente tivesse acabado de ser tomada de um pavor absurdo, Mayara sentiu que precisava focar sua atenção na pontinha de papel sobressalente. Puxou-a para fora. Era uma nota manuscrita com uma letra bastante garranchada, que dizia:

Linha 21, Pl. 5 – 7

Aquela letra não era a letra de sua tia, que tinha uma caligrafia incrível, mas parecia ser o tipo de coisa que ela deixaria para a sobrinha: um quebra-cabeças. Mayara podia não ver muita graça na vida, mas desafios de inteligência sempre traziam algum alento. Por conta disso, ela escaneou o que tinha à sua frente:

Eram duas páginas que falavam de Benedito Calixto, incluindo um retrato dele observando algum produto de sua pioneiríssima máquina, trazida de sua estadia na França. Na folha à direita, o texto versava sobre a paixão de Calixto pela arte fotográfica.

Sabiamente, Mayara contou vinte e uma linhas de cima para baixo e depois buscou as quinta e sétima palavras daquela linha.

fotográficos – passado

Duas palavras que aparentavam não ter qualquer ligação. Todo o breve encanto de encontrar ali um quebra-cabeças se desfez: provavelmente, sua tia havia usado aquele papel com uma anotação qualquer como marca-páginas, e só.

Frustrada, mas ainda encucada com a foto de seu próprio livro, Mayara voltou a usar a minicâmera. Apontou-a para um ursinho rosado de pelúcia que sentava sobre sua escrivaninha, e apertou o botão para fazer seu primeiro registro nela.

Foi logo depois conferir quão ruim seria a qualidade da imagem capturada. Acessou a galeria tosca do equipamento, e encontrou não só a foto do livro, mas uma outra imagem completamente estranha.

Clicou nela.

Primeiro, viu um matagal.

Depois, uma fresta entre os galhos.

A praia, e havia algo sobre a areia.

Uma silhueta humana.

Aquilo fora o suficiente para reaguçar a curiosidade da jovem, que desligou a minicâmera, removeu o cartão de seu slot e transferiu-o para seu celular. Lá, ela acessou a pasta dentro do cartão e, naturalmente, lá estavam as duas fotos: o livro, e o matagal.

Os dois cliques para abrir a segunda imagem pareceram soar feito pauladas em uma tábua de madeira dentro da mente de Mayara. Pois agora, com a imagem bem ampliada, ela podia enxergar com clareza:

A silhueta era uma mulher, trajando um longo vestido de chita, com um cesto na cabeça.

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